A ideia por trás dessa série de posts (de férias!) é
compartilhar com os leitores algumas coisas que fizeram a minha cabeça – e
provavelmente ainda fazem – quando eu era moleque. Pretendo que essas postagens
tenham 4 ou 5 capítulos. Elas devem incluir discos, filmes, games e gibis. Como
tudo nesse blog, não há periodicidade. É uma coisa do tipo tempo livre +
inspiração = post.
O primeiro objeto no qual pensei foi o disco Cryptic
Writings, do Megadeth, lançado em 1997. Estão aí as duas capas. Inclusive, eu nem sabia que existem duas. Meu CD é a edição mais antiga, de capa prateada. Essa é a capa das primeiras 500 mil cópias. Depois disso, incluindo a remasterização de 2004, só é possível encontrar o disco com a capa preta. Aliás, esse é um disco interessante por diversas
razões. Foi o último da clássica formação Mustaine – Friedman – Ellefson –
Menza, que estava junta desde 1990, quando gravaram o álbum Rust in Peace. Este
é o último disco de Menza, sendo que Friedman deixaria a banda depois do
próximo, Risk, de 1999. Também vemos o grupo flertando com instrumentos pouco
usuais para uma banda de metal: há cítaras em Secret Place (alguns por aí se
lembrarão de Wherever I may Roam, do Metallica, que também tinha cítara na
introdução), gaita em Have Cool, Will Travel e naipes de cordas em Trust e Use
the Man.
O disco é claramente continuação do trabalho feito em
Countdown to Extinction (1992) e Youthanasia (1994): uma pegada que ainda é
típica do metal, mas privilegiando as melodias (vozes e fraseados de guitarra)
e a estrutura das canções. A estética dos primeiros álbuns já havia sido, há
muito, abandonada. Não há espaço para algo como Devil’s Island ou Peace Sells
por aqui. Músicas desse tipo foram substituídas pela vibe quase hard rock de
Almost Honest e Secret Place. Ainda assim, músicas como The Disintegrators, She-Wolf,
Vortex e FFF (Fight for Freedom) estão entre as mais pesadas do catálogo do
grupo. Os caras realmente souberam colocar boas melodias por cima de bases e
solos bastante velozes. Quer uma prova? Basta ouvir o fraseado de guitarras ao
final de She-Wolf. Se comparado ao material anterior de Friedman (Holy Wars,
Rust in Peace... Polaris, Hangar 18), veremos que aqui ele é muito mais direto
– e talvez mais eficaz O fraseado é mais simples, tem menos notas e vai direto
ao ponto.
O Megadeth sempre foi uma banda com os dois pés fincados ao
chão. Ainda que existam canções sobre temas místicos e fantásticos, a maior
parte da produção do grupo é baseada em problemas e situações reais. Isso fica
claro quando pensamos a respeito do nome da banda: morte de um milhão de
pessoas causada por explosão nuclear. Surgido em meados dos anos 80, o Megadeth
colocava em suas letras e arranjos as tensões de infância e adolescência
vividas sob a Guerra Fria e parte da era Nixon. Cryptic Writings é bem menos
político do que os álbuns anteriores. O grupo já havia discutido a futilidade
da guerra (inclusive a religiosa), as desastrosas políticas internas e externas
de seu país natal e armas nucleares. Mas Cryptic Writings teve um viés mais
introspectivo. Use the Man é sobre o abuso de entorpecentes, que atormentou
parte do grupo (e várias outras bandas) na década de 1990. Trust e Almost
Honest tratam do fracasso de relacionamentos devido à quebra de confiança de
ambos os lados. Mastermind prenunciava o futuro no qual todos estão
perpetuamente online, recebem informação pasteurizada e acabam perdendo o senso
crítico. Have Cool Will Travel abordava a violência escolar, como uma espécie
de prelúdio aos ataques de atiradores à estudantes: Mammas pack their lunches,
kiddies pack their guns. Wishing
it would go away, but nothing is getting done. Considerando que Mustaine
escreveu todas as letras e recebeu colaborações dos outros membros apenas em
duas faixas (I’ll Get Even e Sin), o disco é um retrato razoavelmente claro da
maneira como ele enxergava o mundo à sua volta.
Enquanto isso o resto do mundo do metal não estava lá tão
bem. Os discos da segunda metade dos anos 1990 não eram nenhuma Brastemp. O
Metallica lançava a dupla Load e Reload, que são até bons discos caso a gente
entenda que a proposta desses álbuns é mudar a direção da carreira do grupo e
atingir novos públicos (o quanto isso funcionou, ou não, fica em aberto).
Enquanto isso, o Iron Maiden, enfraquecido sem o Bruce, lançava os fracos X
Factor (1995) e Virtual XI (1998). O Judas Priest veio com Jugulator (97) e Tim
Ripper Owens nos vocais. O Pantera também já não era mais o mesmo. Phil Anselmo,
vocalista do grupo, estava afundado em heroína, restando à gravadora soltar um
disco ao vivo dos cowboys em 97. No mesmo ano, o Testament lançava o disco
Demonic, longe de ser seu melhor momento. O Sepultura estava se desfazendo no
cataclisma de problemas internos e externos gerado pela tour do disco Roots
(1996). Nesse período, o Iced Earth conseguiu se salvar com os discos Dark Saga
(1996) e Something Wicked This Way Comes (1998). No mundo pós-grunge do final
dos anos 1990, poucos grupos de metal tradicional conseguiram produzir bons
trabalhos. Mas ainda restava esperança na figura do
esgrimista-piloto-vocalista-cervejeiro-palestrante-escritor Bruce Dickinson.
Seu trabalho fora do Maiden rendeu ao metal alguns dos melhores discos da
história do gênero: Chemical Wedding (1997) e Accident of Birth (1998).
Alguma ponta de esperança restava do outro lado do
Atlântico. Enquanto as terras do Tio Sam vivenciavam o new metal do Kron, Limp
Bizkit, Deftones, SOAD, Slipknot e companhia limitada, o Velho Continente era
sacudido pela força do metal sinfônico. Uma forma de speed – power –
neoclássico – melódico – sei-lá-o-quê-metal já vinha sendo trabalhada por grupos
como Stratovarius, Helloween, Gamma Ray e Blind Guardian, entre outros. Esse
processo culminaria com a virada para o milênio e discos como Nightfall in
Middle Earth (Blind Guardian, 1998), Kings of the Nordic Twilight (Luca
Turilli, 1999).
De volta ao Cryptic Writings, resta dizer que, em 1997, uma
visão panorâmica desse tipo era impossível. É fácil (demais?) olhar para trás e
encontrar padrões e processos quando já estamos informados pela História. Mas
nem sempre a coisa se delineia claramente. Em 97, ninguém imaginava que Marty
Friedman deixaria o Megadeth depois do disco seguinte, o fraco Risk, para
seguir carreira solo no Japão. Pensar que o gigante Metallica gravaria um disco
duplo ao vivo com uma orquestra era um pensamento que só passava pela cabeça
dos mais sonhadores. O que dizer, então, do que veio depois? Quem poderia
prever St. Anger e Some Kind of Monster? A volta de Dickinson ao Maiden era
esperada, tal como a de Halford ao Judas. Mas elas só ocorreriam anos depois. Até
mesmo o sempre rentável AC-DC passou por um hiato nesse período: há cinco anos
entre Ballbreaker (1995) e Stiff Upper Lip (2000). No nevoeiro que havia se
formado após a derrocada do grunge e os primeiros passos do compartilhamento de
arquivos via internet, pouca coisa estava clara. Como disse o Mustaine em Sweating Bullets:
hindsight is always 20/20, but looking back is still a bit fuzzy.